LOTA DE MACEDO SOARES E ELIZABETH BISHOP - Poesia

Zete, minha prima, gostava de jogar tênis com a vizinha e amiga Lota. Eu tinha ido passar uns dias de férias escolares, junto com uma tia. Foi quando conheci Lota. A princípio, apenas a observava. Achava-a meio diferente das outras pessoas, mas, aos poucos, fui prestando mais atenção na pessoa original que ela me parecia ser. Era muito engraçada, espirituosa, com respostas rápidas e oportunas; tinha uma voz diferente, meio gutural, meio empostada e um jeito de morder os próprios lábios sempre que dizia alguma frase mais ferina ou alguma observação mais cáustica. Muita coisa eu não entendia, é claro, mas todos riam muito das excentricidades que dela escutavam.

Uma imersão de verão ou inverno de uma ou duas semanas com diversão ao ar livre é perfeito para um retiro de jovens. Um arranjo de uma semana com residência é ideal para o discernimento de vocação e para experimentar em primeira mão a rotina diária da comunidade em tempo real. Um retiro individual pode ser apropriado para pessoas à procura de uma folga em sua vida agitada, lutando com uma crise pessoal e precisando de um tempo de solidão e privacidade. Este tipo de retiro oferece uma solução para um problema ou simplesmente paz e tranquilidade em uma atmosfera contemplativa. Dependendo das necessidades do indivíduo, este pode ser um retiro direcionado um a um com um conselheiro espiritual ou um silencioso retiro solitário. O tipo de retiro define o programa de atividades, o próximo passo do plano.
"Deixem esta criança ser espontânea! Ela quer brincar com lama e observar as formigas, por que impedir? A infância é tão curta e vocês parecem que não percebem isto?" Lota clamava em minha defesa.
Os anos passaram. Vi Lota ainda muitas vezes. Sempre muito gentil comigo e sempre me aconselhando a não me deixar dominar com as "besteiras" dos bons modos da educação formal. Dizia que só era válida a educação adquirida pela contemplação da natureza. Bastava observar o procedimento dos animais e procurar imitar seus hábitos. Tudo mais era hipocrisia. Minha tia ficava aflitíssima com os conceitos da Lota e eu adorava a novidade. Vi que ela era uma pessoa diferente, com personalidade definida e nada convencional.
Muito tempo se passou e Lota foi para os Estados Unidos, onde passou longa temporada. Aconteceu a Segunda Guerra Mundial. Zete voltou da Inglaterra. Minhas idas à Samambaia escassearam, pois tinha terminado o meu colégio e comecei a trabalhar para garantir a minha subsistência, pois havia perdido meus pais e meu avô.
Em 1953, voltei à convite de Laura. Foi quando conheci Elizabeth Bishop, já vivendo com a Lota. Era uma poetisa americana que em 1956 recebeu o premio Pulitzer de poesia. Sucesso de crítica e público. Eu já falava meu inglês da Cultura Inglesa, e, por isso mesmo, tive grande dificuldade de me entender com a Bishop, americana de Boston. Mesmo assim, eu tentava. O que Lota tinha de expansiva, engraçada, observadora e inteligente, a Bishop tinha de timidez e introspecção. Confesso que não percebi nada de diferente na convivência entre as duas: eram discretíssimas. Na época estavam empenhadas na construção da casa da Lota, nos terrenos da Samambaia, projeto do arquiteto Sergio Wladimir Bernardes, premiado com o Prêmio Internacional de Arquitetura pela Bienal de São Paulo de 1951. O projeto era originalíssimo, pois não modificou o terreno onde foi construída a casa, mantendo o aspecto selvagem da mata nativa e do riacho que corria ao lado da construção. Achei linda a ideia e seu conceito de vanguarda!
Pouco tempo depois, Lota se empenhou a fundo no projeto do Aterro do Flamengo: a criação de um dos maiores parques urbanos do mundo! Sua presença na Samambaia tornou-se rara, pois o trabalho no Rio a absorveu de uma maneira absoluta.
Embora sem formação acadêmica, Lota era dotada de um talento único, com uma enorme cultura artística acumulada em cursos avulsos feitos no exterior, uma compreensão estética contemporânea realmente rara: com tal bagagem, adquirida de maneira autodidata, estava apta a exercer qualquer função dentro daquele universo restrito.
“Só é válida a educação adquirida pela contemplação da natureza”
Em 1920, a vetusta sede da Fazenda da Samambaia, a Samambaia-de-Cima, passou à propriedade de José Eduardo de Macedo Soares, e nela residiam sua ex-mulher D. Adélia e suas duas filhas, Marieta e Lota, recém-chegadas da Suíça, onde foram estudar em colégios internos.
Em frente à fazenda, situava-se a casa dos Van Erven, a Samambaia-de-Baixo, construção antiga, autêntica, casa extremamente acolhedora. Seus moradores já a habitavam desde o século passado. Eram meus primos, e, no meu entender, simpaticíssimos: a prima Laura, a doçura em pessoa, a prima Elvira, a bonita e encantadora mãe de Zete, esta recém-chegada da Inglaterra, onde estudava; Henrique, seu pai, incrivelmente ativo e meticuloso em tudo que fazia; e Tia Cafunchinha, a mais interessante personagem de toda a família e também a mais idosa. Era uma casa que traduzia o temperamento de seus moradores: alegres, amáveis, inteligentes e de agradável convívio.

Carlos Lacerda, governador do Rio de Janeiro e amigo particular de Lota, seu vizinho na Samambaia, soube aproveitar os talentos que ela possuía e deu-lhe a excepcional oportunidade de realizar seu sonho, que era transformar o grande aterro onde seriam construídas oito pistas para carros e veículos de transportes coletivos no Parque do Flamengo, imenso local para lazer além da introdução de imensa área verde às margens da Baía de Guanabara. Era um projeto audacioso, mas de grande apelo social, pois proporcionaria uma área de diversão e de atração turística à cidade, a todas as suas classes sociais, principalmente às menos favorecidas. Para realizá-lo, contou com a colaboração de Afonso Reidy e Roberto Burle-Marx, entre outros. A chefia do projeto foi entregue a Lota, o que lhe trouxe grandes contrariedades e dificuldades, criadas por muitos funcionários da administração pública, os quais não aceitavam ser chefiados por uma mulher. Porém, Lota não se intimidou e lutou ferozmente, defendendo o grande projeto.
Lota e Elizabeth Bishop tiveram, em comum, uma infância e uma adolescência sofridas e solitárias. Bishop, privada da convivência materna pelas condições precárias da saúde mental de sua mãe e orfandade do pai, cedo conviveu com a solidão. Lota, filha de um casal desestruturado, muito cedo foi entregue à formação de colégios internos no exterior, tendo desenvolvido uma personalidade egocêntrica precoce, cujos parâmetros ela mesmo estabeleceu e aprimorou. A inteligência privilegiada foi o suporte que estruturou sua forte personalidade. Foi a intelectual mais brilhante que tive a oportunidade de conhecer. Autodidata por excelência, com sua formação cosmopolita, falava fluentemente inglês, francês e português, sem o menor sotaque, e tinha enorme facilidade de comunicação. Apesar de toda a bagagem cultural acumulada, principalmente na área das artes visuais, Lota tinha uma extraordinária noção de autocrítica que a fez hesitar em aceitar a direção geral da execução do projeto do Aterro do Flamengo, um dos maiores parques urbanos do mundo! Custou muito a aceitar o convite de Carlos Lacerda.

Ela ajudava pessoas humildes, nas quais vislumbrava traços de talento para as artes plásticas. Foi o caso do menino Kilso, por ela adotado, e de Madalena Santos Reinbolt, que foi sua cozinheira na casa da Samambaia e acabou tendo seu talento reconhecido por críticos de arte do nível da Lélia Coelho Frota, que elevou suas humildes tapeçarias à categoria de obra de arte.
A afetividade que lhe faltou na infância e na adolescência ela multiplicou na idade adulta, distribuindo perdulariamente entre todos aqueles que lhe apresentavam trabalhos na esperança de obter algum auxilio que pudesse desenvolver dotes para seguir o talento artístico.
Sua ligação com Elizabeth Bishop talvez tenha sido estruturada por estes traços afetivos, fragmentados em suas respectivas formações.
Não quero falar em sua morte. Li, junto com Laura, a carta que ela escreveu, se despedindo dos moradores daquela casa, a Samambaia-de-Baixo, único lar que ela conhecera em vida, onde foi acolhida com carinho, com amor e com respeito, sentimentos que até então desconhecera de sua própria gente.
Mas o essencial permaneceu. Lota construiu seu próprio monumento, que é o Parque do Flamengo, hoje motivo de orgulho dos moradores e visitantes do Rio de Janeiro. Toda vez que por ali passo, agradeço ao talento e à perseverança dessa mulher, tão frágil de aparência, mas dotada de uma gigantesca determinação, incomensurável talento e indiscutível espírito público. Idealizou um Rio mais belo e mais humano e perpetuou-se através seu sonho.
Petrópolis, 9 de junho de 2011
Maiza Salgado